Luciano Luz de Lima

Quem tem medo do Tio Sam?

Por Luciano Luz de Lima
Advogado, doutorando em Política Social e Direitos Humanos pelo PPGPSDH/UCPEL, integrante do Diretório Estadual do PT/RS
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“É mais americana que os americanos!” A referência de Elias Jabbour sobre o comportamento de parte da mídia brasileira na cobertura da viagem do presidente Lula à China e suas declarações sobre a geopolítica internacional retrata muito bem o pensamento dominante nas elites brasileiras e em parte da população, o que é derivado da dominação econômica e cultural exercida pelos Estados Unidos sobre a América Latina desde meados do século 20.

Essa dominação, de caráter imperialista, na acepção do economista inglês John Robson aperfeiçoada mais tarde por Lenin, sucede a dominação britânica consolidada nos processos de independência dos países latino-americanos, que por sua vez substituiu a dominação colonial de Portugal e Espanha.

A exemplo do imperialismo inglês, a dominação exercida pelos Estados Unidos se assenta na transferência de riquezas das economias latino-americanas para sua economia, através de diversos mecanismos viabilizados pela forma de inserção dos diferentes países na divisão internacional do trabalho, na qual a economia brasileira é essencialmente exportadora de bens primários.

Esse processo de transferência em nosso País é gerenciado pela associação da burguesia local com o capital internacional. Nossa burguesia obtém taxas de lucro satisfatórias operando essa transferência e compensando-se com a superexploração da força de trabalho. Sendo assim, como identificaram os teóricos da dependência, a nossa burguesia nativa não tem projeto nacional.

Dessa forma, a dominação se opera de dentro, articulando a implantação do moderno com a manutenção do arcaico, como nos ensinou Florestan Fernandes. E a qualquer suspiro de soberania que esboce um projeto nacional de desenvolvimento, o Tio Sam lança mão de seus operadores nativos, seja pela propaganda dos grandes veículos, seja pela ação da direita política através das instituições parlamentares e jurídicas, seja pelas armas de militares, para os quais o nacionalismo é pura retórica vazia.

Mas nessa quadra da história a hegemonia norte-americana está em xeque, a crise da economia mundial capitalista tem colocado essa hegemonia em decadência, da qual a guerra da Ucrânia é demonstração. O predomínio europeu, estendido pelos Estados Unidos, luta para se manter frente ao crescimento chinês e indiano, a reorganização nacional da Rússia e os anseios de soberania em partes da América Latina e África. A atual hegemonia europeia/Estados Unidos é um fenômeno recente na história e, segundo alguns cientistas sociais, será breve e já se aproxima do final. Andre Gunder Frank, em seu último livro Reoriente, demonstra que o sistema mundial remonta bem mais que os 500 anos da modernidade europeia, uma relação afro-euro-asiática se estabeleceu a mais de quatro mil anos nos quais a Europa sempre foi periférica, tendo em grande parte do tempo como centros econômicos e de produção do conhecimento regiões da Ásia (Império do Meio, India, Pérsia, Mongóis, Califados Árabes, Império Turco Otomano).

Lula, através de sua relevância internacional e da importância de nosso País por vários aspectos, busca posicionar o Brasil de forma a conquistar espaços de real soberania, buscando inserção não dependente. Nesse sentido, combater o domínio americano estabelecendo novos tipos de relação econômica não subordinada com países que reconfiguram o sistema mundial é indispensável aos legítimos interesses do Brasil.

Mas é uma luta em curso e os arautos do velho imperialismo yankee em solo pátrio vocalizam sua estupefação frente a ousadia soberana de Lula e expressam sem nenhum constrangimento toda sua subserviência e medo do Tio Sam. Para o bem do futuro do Brasil, esperamos que não prosperem e o governo - sabemos de seus limites e dificuldades - possa seguir em marcha de posicionamento autônomo e altivo do nosso País.​

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